De Vila Papelão à Articulação Cultura e Resistência

Na tarde de um domingo ensolarado (como muitas tardes e muitos domingos sertanejos) chegamos ao número 45 da Rua Rio Primaveira, bairro José & Maria, Petrolina-PE. Na varanda do “ARC Resist Estúdio”, cerca de 15 pessoas lançavam olhares atentos a uma televisão estrategicamente disposta no espaço.

Simplesmente sentei no primeiro banco que vi pela frente e me associei aos olhares das pessoas para a telinha da TV. Quércia resolveu sentar no chão. Vez por outra, uma panela de pipoca passava por nós. O filme eu nunca soube qual era, mas a mensagem da resistência que a aglutinação de sonhos coletivos consegue alcançar, esta sim, ficou registrada para sempre.

Foi como se a vida imitasse a arte ou vice versa. Quase duas semanas depois deste encontro, tive uma breve conversa com Maércio, vocalista da banda Apocalipse Reggae e oficineiro de Hip Hop. Na voz cadenciada de Maércio (“eu me sinto mais à vontade cantando”, disse ele) foi possível perceber que aquele enredo filmado em algum lugar dos Estados Unidos não é de modo algum distante da história do bairro José & Maria.

Um bairro que no dia 6 de fevereiro de 1987 recebeu do antológico jornal “O Pharol” a seguinte manchete: “Como desafio ao poder – nasce uma nova Vila Papelão”. Atualmente, o José & Maria é um dos bairros mais populosos de Petrolina.

Fruto de uma necessidade intrínseca de promover atividades para, na e com a comunidade, além de refletir constantemente sobre as questões estruturais do bairro, no final do ano de 2002 surgiu o Articulação Cultura e Resistência – ARC Resistência. No primeiro projeto capitaneado pelo grupo, a praça principal do José & Maria foi ocupada por um dia inteiro de atividades artísticas.

O projeto “A praça é nossa e a arte também” ficou preso à quarta edição. Com a construção de um bar dentro da praça, o ARC Resistência resolveu enveredar por outros projetos. Em maio de 2003 organizaram a primeira Semana da Consciência Negra do bairro José & Maria.

Hoje em dia, oficinas, workshops, palestras e apresentações artísticas compõem uma semana inteira de discussões que chegam a envolver os simbolismos presentes na cultura negra. Por volta de 40 pessoas dos mais diversos segmentos da comunidade, da Associação das Mulheres Rendeiras aos Grêmios Escolares, se associam na organização deste evento.

Com o amadurecimento do grupo, que este ano organizará a sexta edição da Semana da Consciência Negra, houve a necessidade de uma articulação maior, no sentido de se pensar outras atividades para preencher as carências esportivas e culturais do bairro.

Desta maneira, uma vez ao mês, representantes dos segmentos sociais do José & Maria se reúnem na varanda do “ARC Resist Estúdio” para discutir pautas afins. Os filmes exibidos em tais oportunidades são os ensejos para o início das discussões.

E, assim, os domingos ensolarados testemunham a história de uma articulação que transformou uma antiga Vila Papelão num foco de resistência cultural.